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O quarto 202

  • Foto do escritor: paralereamar
    paralereamar
  • 30 de out.
  • 3 min de leitura

Um conto de Milena Pássaro


Quando Melissa chegou ao hospital, os gêmeos fumavam na calçada. Ela sem diferenciar quem era quem apenas se aproximou para cumprimenta-los. Um silencioso abraço em cada um demonstrava a solidariedade naquele momento tão difícil. Mais familiares estacionavam os carros e corriam ao encontro dos irmãos.

— Posso entrar lá? Qual é o quarto?

— A mãe está no 202, disse um dos rapazes, batendo um dos pés na parede e olhando para o chão.

Antes de entrar na recepção, ainda na porta, Melissa respirou fundo. Com os olhos fixos em um ponto, sem olhar para os lados, ela caminhou em direção ao elevador e apertou o botão do segundo andar.

A porta abriu tão rápido assim como as batidas do coração. Os dedos se apertavam de forma que as unhas chegavam machucar a palma da mão. Ela nada sentia. Fixou o olhar no quarto 202 e seguiu. O Hospital era um lugar complicado para Melissa. Conforme caminhava, um frio percorria sua espinha e o corpo arrepiava diante das inúmeras presenças que sentia no corredor. Ela apenas fechava os olhos, respirava e continuava a caminhar em direção ao quarto.

Na porta um dos primos a abraçou com os olhos cheios de água e ela pôde ver em um dos sofás a tia mais velha chorando.

— Daqui a pouco os enfermeiros irão voltar.

O quarto estava ainda mais frio. No dia anterior, a televisão ligada alegrava aquele ambiente agora tão triste. Nem a bolsa de linhas coloridas de crochê, estava sobre a poltrona. Tudo estava branco, sem cor, até mesmo a tia Mônica.

Vagarosamente, Melissa caminhou para dentro do quarto, mais uma vez puxou o ar profundamente e tentou não mudar o semblante ao ver o inchaço da pele da tia.

Leo, aproveitando a presença da prima, retirou a mãe do quarto para acalmá-la. Melissa acariciou os cabelos de Mônica e com um sorriso no rosto, certificou se estavam mesmo sozinhas.

— Espere só um minutinho, tia.

Ela voltou até a porta, a fechou e retornou para perto da cama.

A tia a olhava com os olhos tristes e preocupados, o corpo da garota cada vez mais frio, chegava a causar tremor e desconforto. Ela puxou uma cadeira e segurou novamente uma das mãos da pálida mulher.

— Como está se sentindo?

— Muito fraca. Está difícil de respirar. Muita dor.

— Então não fale nada, apenas respire.

— Melissa! Eu vou morrer?

— Todos vamos morrer um dia, tia.

— Você sabe do que estou falando. Eu vou morrer hoje?

— Como vou saber o dia que irá morrer?

— Você sabe, pergunta para seus amigos. Pergunta para eles se vou morrer hoje?

— Eu não consigo saber isso. E mesmo se eles respondessem, o que iria mudar?

— Eu não quero morrer, Melissa. Eu não quero.

Triste e com os olhos cheios de água, ela olhou para a janela.

— Viu os meninos? Eles estão aqui?

— Sim. Ficaram lá fora para que eu e o Leo pudéssemos entrar.

— Eles precisam ficar juntos. Precisam se ajudar.

— Calma, tia! Pense em você agora. Eles são adultos e vão saber se cuidar. Quer que eu te aplique um passe para você se acalmar?

Com os olhos fechados Mônica balançou a cabeça dizendo que sim.

Enquanto a sobrinha rezava o Pai Nosso e a Ave Maria, Mônica sentiu sua respiração acalmar e as dores foram sumindo a medida em que a sobrinha chegava ao final da oração. Antes que a menina dissesse “agora e na hora de nossa morte”, ela já não sentia mais alguma dor.

Melissa também sentiu seus batimentos cardíacos voltarem ao normal, o frio que antes sentia passou e uma intensa sensação de bem estar tomou conta da garota, que feliz sentia a presença de um homem do seu lado direito.

— João! Disse Mônica ao abrir os olhos.

— Oi, minha irmã. Vamos, nossa mãe espera por nós.

Melissa abaixou os braços, abriu os olhos e sentou na cadeira novamente. Mônica acompanhou João rumo a uma luz no canto do quarto enquanto os enfermeiros entraram apressados com a maca para retirar o corpo. Lá fora, desolados, os gêmeos continuavam a receber as condolências pela morte da mãe.

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