O vidente
- paralereamar

- 30 de out.
- 4 min de leitura
Carla! Vamos comigo. Várias pessoas me falaram sobre ele.
— Quem te falou dele? — Carla perguntou, franzindo a testa.
— Algumas amigas.
— Vamos gastar nosso tempo à toa.
— Eu preciso ir. Estou com dúvidas… Preciso saber que decisão tomar.
— Está bem, passa aqui e me pega, mas já aviso: se lá for esquisito, eu venho embora.
Após a confirmação da amiga, Melissa desligou o telefone apenas apertando o dedo no gancho. Pensativa, permaneceu alguns segundos com o aparelho ainda junto ao ouvido.
Chegando ao endereço anotado no papel, Carla olhou para Melissa com desconfiança.
— Tem certeza, Melissa? Quando a gente voltar, o carro não vai estar aqui.
— Deixe disso. Não vai acontecer nada. Vamos!
Carla, apreensiva, segurou firme a bolsa e desceu do carro. Seguiu a amiga até o portão.
— Viu? Está fechado. Não tem nem campainha. Vamos embora.
— Eu preciso confirmar se minhas suspeitas estão certas. Este é o endereço. Vamos entrar.
O corredor estreito, úmido e escuro aumentou a tensão de Carla. A casa parecia ainda mais sinistra à medida que se aproximavam: paredes sem reboco, manchadas e quebradiças, janelas tortas com vidros trincados, e portas rangendo como se reclamassem de cada toque. O quintal, tomado por ervas secas e pedras soltas, dava a impressão de que qualquer passo poderia despertar algo escondido. Cada detalhe transmitia abandono, descuido e uma estranha sensação de ameaça, como se o próprio lugar estivesse à espreita, observando cada movimento das meninas.
— Não é melhor chamar?
— Não. Me disseram que é só entrar. A casa fica nos fundos.
Um grito, seguido de um barulho forte de golpes sobre a mesa, fez o corpo de Melissa saltar involuntariamente. Carla segurou firme a amiga.
— O que vocês vieram fazer aqui? Suas intrometidas? — a voz de um homem ecoou pelo corredor.
Um varal de arame mal esticado dificultava a passagem. As meninas desviaram de duas mulheres que saíam da casa sem olhar para ninguém. Atrás delas, um homem forte, vestido de branco, as recebeu com um sorriso.
— Oi, meus amores! Vieram ver o painho?
Carla quase paralisou de medo, apertando ainda mais o braço da amiga.
— Não tenham medo. Essas duas estão cheias de coisas ruins. Vivem fazendo o que não presta. Vamos entrar.
O vidente era um homem de presença marcante, com olhos que pareciam vasculhar a alma das meninas. Seu turbante branco contrastava com a pele bronzeada e as roupas largas balançavam suavemente a cada gesto. No dedo, um anel grande refletia a luz trêmula das velas, que iluminavam o guia aberto sobre a mesa, cercado por búzios espalhados com precisão. Melissa observava cada detalhe, fascinada pelo ritual, pelo ar de mistério que pairava na sala, mas não conseguia afastar as dúvidas que martelavam sua mente: seria tudo encenação? Ou a percepção do homem alcançava mesmo algo além? Cada gesto do vidente parecia conduzi-la a acreditar, e ao mesmo tempo a hesitar, como se uma parte dela quisesse confiar, e outra a alertasse para o perigo de se iludir.
— Eita, fia! Cê tem uma luz que arrepia a gente… Que coisa boa! Chega aqui. O que qué sabê do painho?
Melissa sentou-se, cabisbaixa. Carla olhou para as velas e imagens na estante.
— Pai! Eu tenho um namorado, gosto muito dele, mas ele não é flor que se cheira. Já chorei muito por causa desse homem, mas ainda sinto que gosto dele. Queria saber se ele vai mudar.
O assistente trouxe um copo de água para Carla, mas bebeu ele mesmo. Assustada e olhando fixamente para painho, ela rejeitou a gentileza.
— Mi fia, cê tem que confiaá mais nocê mema. Teu guia te conta tudo, tá bem aqui do teu lado. Ele já te disse até com quem ele tá te traino. É essa aí memo que tá na sua cabeça.
Melissa sentiu o sangue ferver, e a raiva subiu à sua garganta.
— Que ódio!
— Não adianta tê ódio. Cê tá mostrano os dente pra quem num deve. Abrí a nossa casa pro inimigo é entregá nossa vida numa bandeja. Fica esperta, mi fia. Cê mema tá fazeno a cama pra outa se deitá. Muita oração pra São Jorge pra ele te protegê de quem anda de mão dada cocê.
Melissa respirou fundo, tentando controlar o coração acelerado.
— Ei, psiu!
Carla arregalou os olhos e apertou os braços da poltrona quando percebeu que o vidente falava com ela.
— É ocê mema aí com esses zóio arregalado. Tudo que a gente faz, é aqui memo que a gente paga. Cuidado que a conta vem com juro.
Carla tomou o resto da água que ainda estava na bandeja que o assistente segurava e devolveu o copo vazio. As duas saíram da sala. O vidente começou a gargalhar enquanto o assistente, confuso, coçava a cabeça.
No portão, Carla limpou o suor da testa.
— Você não vai acreditar nesse doido varrido. Vai?
— Por que eu não acreditaria?
— Tá na cara que é um charlatão, que só pega dinheiro dos outros. Você foi uma tola de vir aqui.
— Tola eu tenho sido de acreditar em você. Sua vaca!
Melissa fechou os olhos, e por um instante, quase se perdeu. Então, lançou um tapa firme na cara da amiga, que caiu desprevenida ao chão. O coração de Melissa disparava, os dedos tremiam, mas ela entrou no carro sem olhar para trás, engatou a primeira e partiu.
No banco do motorista, respirou fundo, tentando se acalmar. O mundo parecia ter voltado ao lugar, o eco das palavras do vidente ainda pulsava em sua mente: a vida cobra, sempre.

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